sábado, 6 de janeiro de 2018

Os reais prejuízos da 'deforma' trabalhista



Estamos oficialmente sob a vigência da Lei n° 13.467/2017, rejeitada por mais de 80% da população e mesmo assim aprovada pela Presidência da República e Congresso Nacional mais corruptos das últimas gerações, deixando absolutamente fora de dúvida de que o Governo está apartado da vontade popular e plenamente entregue aos interesses de elites econômicas e ingerências internacionais.

Uma visão pontual das mudanças, no entanto, pode não deixar clara a real dimensão deste ataque ao trabalhador brasileiro, principalmente da forma como tem sido amplamente feito pela mídia, visto que muitos dos itens podem não parecer significativos para muitos trabalhadores, podendo alguns deles, isoladamente, até mesmo parecer desejáveis. Por isso é preciso apontar onde estão os reais problemas, e aqui iremos destacar apenas alguns deles, dentro da própria nova Consolidação das Leis do Trabalho, e que se isoladamente já seriam trágicos, juntos são catastróficos.

NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO

Uma delas é a introdução do Artigo 611-A, que dá desmedidos poderes aos Acordos Coletivos, celebrados entre o sindicato de uma categoria e sua empresa, e as Convenções Coletivas, celebradas entre sindicato da categoria e sindicato patronal. Este artigo introduz que: "A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:"
Então enumera nada menos que 15 incisos com itens que podem ser alterados, afora o misterioso "entre outros".

É certo que o Artigo 611-B enumera 30 incisos com direitos que não podem ser afetados, mas ainda assim, podem sê-lo: jornada de trabalho, banco de horas, intra jornada, plano de cargos e salários, representação sindical, sobreaviso, trabalho intermitente, prorrogação de jornada em ambientes insalubres sem licença prévia do Ministério do Trabalho, e outros, o que associado ao parágrafo primeiro, que remete ao parágrafo terceiro do Artigo 8, e que por sua vez remete ao Artigo 104 da Lei 10.406/2002, que é do Código Civil, praticamente transforma a o Acordo Coletivo em uma forma de "Negócio Jurídico".

Até essa inovação, a CLT não permitia que um acordo coletivo subtraísse direitos previstos em lei, mas com o Artigo 611-A, associado a outras inovações, como o Artigo 444 que diz respeito a negociações individuais, possibilita por exemplo que um empregado contratado originalmente para 30 horas semanais, de repente passe a cumprir jornada de 36 / 48 horas semanais, caso da infame jornada 12x36, sem qualquer aumento de salário!

O Artigo 612 ainda enfraqueceu a exigência de quórum mínimo em assembléia para celebração do acordo, reduzindo de 2/3 dos presentes em segunda chamada, para 1/3, facilitando que uma minoria aprove acordos prejudiciais à categoria.

Considerando também a política de enfraquecimento dos sindicatos, como a nova redação dada ao Artigo 545 que elimina a contribuição sindical obrigatória, bem como o enfraquecimento generalizado da Justiça do Trabalho, que inclui até sucateamento de verbas por meio da pérfida Lei de Responsabilidade Fiscal, o resultado inevitável será a proliferação ainda maior dos ditos sindicatos pelegos, que agem contra a própria categoria em favor da retirada de direitos. Quem tiver experiência em negociações sindicais e for fiel aos interesses dos trabalhadores sabe muito bem o enorme estrago que isso irá causar.

JUSTIÇA PAGA

Passemos agora para o Artigo 790, que rege sobre as ações judiciais nos Tribunais do Trabalho, onde o parágrafo 3, que na prática garantia a justiça gratuita para qualquer trabalhador, foi alterado para agora permití-la apenas para os trabalhadores que percebam salário até 40% do máximo benefício pago pelo INSS, que atualmente está em R$ 5.531,31, o que faz com que qualquer trabalhador com salário acima de R$ 2.212,52 perca o benefício da justiça gratuita.

Assim, caso o trabalhador perca a ação judicial, terá que arcar com as custas processuais, o que não raro é economicamente desastroso. O Artigo 789-A enumera as custas básicas de um processo, que facilmente totalizam um mínimo superior a R$ 2.800, já bem acima do salário mensal de quem tenha direito à gratuidade, mas frequentemente vão muito além disso. Já tivemos o caso onde um magistrado que, de forma controversa, baseado na recente legislação condenou um trabalhador ao pagamento de R$ 8.500.

O parágrafo 4 do Artigo 790 ainda garante o direito a gratuidade para quem comprovar insuficiência de recursos, mas essa comprovação é muitíssimo mais difícil que a anteriormente vigente, que podia ser obtida com mera declaração formal.

Quem acompanha processos trabalhistas sabe que não é raro termos decisões judiciais nada menos que surreais, tanto a favor quanto contra trabalhadores, mas outrora essa incerteza implicava no máximo em tempo perdido e desgaste emocional. Agora afetará diretamente nas economias do trabalhador, o que seguramente ira dissuadir muitos de procurarem seus direitos mesmo quando estes forem arbitrariamente violados.

FORÇANDO A DIVISÃO DE CLASSES

Existem pouquíssimos trabalhadores que possuem habilidades e conhecimentos suficientemente específicos para possuir força de negociação, e em geral esses já não costumam celebrar contratos de trabalho comuns, preferindo criar pessoas jurídicas e celebrar contratos entre empresas. Mas a falácia que embasa a Reforma Trabalhista trata milhões de trabalhadores sem qualquer especialização e com poder de negociação zero, como se fizessem parte dessa exclusiva elite, que regida pelo Artigo 444, outrora permitia apenas benefícios adicionais, mas não subtração de direitos.

Mas agora, com o parágrafo único incluído pela Lei n°13.467/2017, qualquer profissional que ganhe acima de R$ 11.062,61 (o dobro do benefício máximo do INSS), poderá "renegociar livremente" seu contrato sob as mesmas condições do Artigo 611-A, sendo então empurrado à situação análoga a de outros especialistas que em geral ganham muitíssimo acima disso, embora de modo algum isso lhe garanta qualquer acréscimo de rendimento. Pelo contrário, pois poderão até mesmo aumentar sua carga horária sem aumento de salário, (possibilidade ainda mais reforçada pela Medida Provisória 808, que visa instituir o Artigo 59-A) abrir mão de planos de cargos, banco de horas e até contrato permanente, passando a ser obrigados a trabalho intermitente.

A maioria desses profissionais está longe de possuir real poder de negociação, pois embora possa parecer muito para os que estão nivelados ao salário mínimo, fato é que um salário de R$ 12.000 pode até ser abastado para um único indivíduo, mas mantém uma família de 4 ou 5 pessoas no limiar da classe média. A simples ameaça de demissão, num mercado com milhões de desempregados, é suficiente para obrigar esse trabalhador a aceitar qualquer condição desvantajosa, até mesmo a perda de grande parte de sua renda, pelo trabalho intermitente, por exemplo, preferível a possibilidade de perdê-la toda.

Mas o ponto mais relevante não é esse, e sim que embora isso possa parecer pouco significante, ocorre que frequentemente nos períodos de Data Base, a fase de negociação entre sindicato e empresa, todos os trabalhadores costumavam estar na mesma condição independente de sua renda, de modo que em geral eram apenas os agraciados com funções especiais, cargos de confiança ou comissões tendiam ficar ao lado dos empregadores. Agora, com essa inovação, justo os trabalhadores que costumavam ficar entre a maioria e a minoria dirigente, e que possuíam melhores chances de pressionar diretamente as chefias para negociações mais favoráveis à maioria, se veem isolados, podendo ser regidos por condições diferentes da maioria.

Com isso, quebra-se a continuidade que conectava trabalhadores de menores ganhos com trabalhadores com mais ganhos, mas ainda assim, trabalhadores, e estimula-se ainda mais uma falsa ilusão de elitismo que tende a dividir as categorias em duas classes distintas, as que ganham mais, e as que ganham menos que o dobro do benefício máximo do INSS.

É um fomento direto a uma Luta de Classes! Que no caso servirá apenas como estratégia manipulatória, fazendo aos menos abastados parecer que qualquer um com um ganho acima desse limiar faça parte da elite dominante e seja visto como inimigo, e fazendo a esses um pouco mais abastados parecer que os demais sejam uma massa disposta a decapitá-los numa revolução.

DESENHANDO O QUADRO MAIOR

Se cada uma dessas mudança já seria trágica por si só, basta notar como combinadas tendem a levar a situações desesperançadas. Sindicatos enfraquecidos e dependentes de contribuições voluntárias possuem muito menos capacidade de se organizar e pressionar as direções das empresas para conquistar melhores condições, ou mesmo para garantir as que já possuem. Trabalhadores melhor remunerados podem ser facilmente coagidos a abandonar a sindicalização, visto que os Artigos 444 e 611-A podem ser usados para que ele corte seu vínculo sindical. Com isso, os maiores contribuidores tendem a ser isolados.

Os sindicatos serão obrigados a arcar com enormes custas judiciais, devido ao Artigo 789-A, uma vez que em geral serão eles que tenderão a assumí-las quando um trabalhador perder uma ação movida por seu sindicato, o que associado à perda de receita, tenderá a sufocá-los. Com isso, ficará fácil para as organizações patronais infiltrarem seus asseclas nos sindicatos ou mesmo controlá-los totalmente, forçando a aceitação de convenções e acordos deletérios aos direitos da maioria.

Com sindicatos pelegos, a tendência é os trabalhadores irem progressivamente se desvinculando a passando a ficar por conta própria, mas mesmo assim serão submetidos as decisões de grupos que não os representam, que podem mudar radicalmente suas condições de trabalho à revelia de seu contrato original ou mesmo da legislação.

E por fim, será perigosíssimo apelar para a Justiça do Trabalho, pois o risco de perder a ação e ainda ter que arcar com as custas judiciais inibirá qualquer um que ganhe acima de R$ 2.212,52. Com isso, apenas trabalhadores remunerados abaixo desse limiar, aliás bem abaixo, para garantir que não o ultrapassem numa alteração salarial mínima, contarão com justiça gratuita, o que dividirá ainda mais as categorias de trabalhadores.

E esses são apenas alguns aspectos da Reforma Trabalhista, ainda que dos mais graves. Há inúmeros outros pontos prejudiciais aos trabalhadores. A Consolidação das Leis do Trabalho, sancionada por Getúlio Vargas em 1943, introduziu um mecanismo inédito de proteção trabalhista numa época que as condições de trabalho não precisavam se diferenciar muito da escravidão. Desde então, ela tem sofrido inúmeros ataques, e este é seguramente o mais nocivo, pois sem revogá-la na íntegra, a enfraquece de forma a deixá-la ainda mais vulnerável a ataques futuros.

E não se iludam aqueles que pensem que o ataque esteja perto do fim. Pelo contrário. Apesar de grandemente deletéria, essa Reforma está sendo considerada praticamente um fracasso pela maior parte de seus proponentes, de Ideologia Liberal, que visavam a uma dilapidação muito maior da legislação. Por mais reprovável que seja nosso Congresso, até mesmo ele opôs alguma resistência a muitas das propostas originais, visto a tradição tipicamente não liberal de nosso país, de modo que o Capital Financeiro Globalista não se deu por satisfeito com a ainda não completa redução do trabalhador à condição de escravidão.

Escravidão que, por essência, é tanto uma relação de trabalho quanto a maior antítese que conhecemos da ideia de Liberdade, justamente aquilo que os liberais fingem defender.

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