sábado, 6 de janeiro de 2018

A atual música 'pop' brasileira é inimiga do povo!


A polêmica vazia mais recente envolve a cantora Anitta e seu novo vídeo-clipe “Vai, malandra”. Embora insignificante e passageira, ela é sintomática de muito e apenas por isso lhe dedicaremos atenção, a título de exemplo. Falaremos desse vídeo-clipe, mas poderia ser outro dentre vários. Celebrado por boa parte da esquerda como símbolo da emancipação feminina e criticado em uníssono pela direita por sua imoralidade aberrante, o vídeo-clipe e a música em si não apresentam senão mais do mesmo. É exatamente o mesmo modelo rítmico e harmônico de qualquer outra música do gênero, de qualquer outra cantora ou cantor, de qualquer outro ano anterior e que, provavelmente, será esquecido assim que uma nova Anitta seja mais uma vez manufaturada pelo mercado. O que de interessante se pode falar deste vídeo?

Uma rápida pesquisa pela internet mostrará que o vídeo-clipe "Vai Malandra" da Anitta foi filmado pelo diretor e fotógrafo americano Terry Richardson, indivíduo denunciado inúmeras vezes por assédios e abusos sexuais envolvendo inclusive menores de idade e, por isso mesmo, já boicotado por várias empresas, como a Vogue, após a repercussão negativa em torno do seu nome (vide, por exemplo, aqui - em inglês. Aqueles que não lêem inglês poderão fazer uso de qualquer programa de tradução automática para ter uma ideia de que se trata).
Acumulam-se denúncias, desde 2001, de que T. Richardson tentou alcoolizar e drogar modelos adolescentes durante sessões de fotos, que mostrou a genitália, que chegou a pedir a uma modelo que lhe fizesse chá com o absorvente íntimo e toda sorte de imundície. Famoso pelas fotografias polêmicas e pornográficas, frequentemente com temática blasfema ou satânica (ele gosta de fotografar modelos com bodes, pentagramas e bizarrices do tipo), Richardson, que trabalhou com Miley Cyrus, entre outras artistas, é um retrato bem acabado da decadência da indústria de entretenimento. Exatamente como ocorre com as denúncias mais recentes envolvendo celebridades de Hollywood, indústria fashion e fonográfica, isso é apenas a ponta do iceberg em uma indústria imersa em exploração e comportamento sexual predatório, uma indústria, aliás, bastante entrelacada com a indústria de exploração sexual/prostituição propriamente dita. Há indícios de que algumas bandas e grupos musicais pop são parte de redes de prostituição/tráfico sexual.

Terry Richardson


"Empoderada" o quanto seja, Anitta aparentemente não se importou com nada disso e não teve problemas em trabalhar com tal indivíduo - um degenerado claramente predador sexual. 

Anitta faz parte dessa mesma indústria internacional. "Estourou" em 2013, após assinar um contrato com a Warner; o vídeo-clipe de seu primeiro sucesso, "Meiga e Abusada", do qual ninguém hoje se lembra mais, foi filmado em Las Vegas, dirigido pelo diretor americano Blake Farber, que trabalhou com Beyoncé também.











Quanto ao vídeo-clipe em si, que conta com a participação do rapper americano Maejor, é, já o dissemos, idêntico a tantos outros de hip hop e pop norte-americano: mulheres rebolam, andam de quatro e cantam seus dotes - Malandra, naughty girl, "cachorra", "fergalicious" (alguém ainda se lembra disso?), "popozuda"... Miley Cyrus, Beyonce, Anitta. Tanto faz. Que isso paute discussões políticas polarizadas no Brasil e em vários outros países já é um indício do nosso status colonizado pelo liberalismo econômico, político e cultural.

Charge de Vini Oliveira. Fonte: https://vinioliveiracharges.wordpress.com/tag/beyonce/

No vídeo-clipe de Anitta, sucesso internacional, o rapper Maejor canta, em inglês, interagindo com a brasileira, o seguinte: "Brazilian baby, you know I want ya/Booty big, sit a glass on it/See my zipper/put that ass on it". O trecho é vulgar demais para ser traduzido, mas diz respeito a nádegas e zíper e uma moça brasileira.

Como bem observou o internatuta Everton, em uma publicação que foi bastante compartilhada no Facebook, o Brasil é o segundo maior destino de turismo sexual no mundo, só perdendo para a Tailândia, e a cidade do Rio de Janeiro é assim vendida em sites de viagens - isso envolve também prostituição infantil.

O contexto de tal canção "polêmica" é esse. Não existe autenticidade naquela produção como não há em tantas outras, senão apenas um conformismo em aproveitar a moda mais recente e se autoprojetar por alguns meses ou poucos anos até inevitavelmente desaparecer em meio a uma overdose de dólares. Música? A última preocupação, nesse caso, é a música. Seu poder político é esquecido, seu caráter catártico é ignorado. 

O conceito de “indústria cultural” é, assim, perfeitamente aplicável nesse e em tantos outros casos em que a padronização estética é senhora e reina soberana acima de qualquer preocupação mais reflexiva e que possivelmente poderia espelhar realidades culturais de maneira mais autêntica, criativa, livre e independente. O argumento da esquerda, que favorece essas manifestações artísticas, é o de que, em certa medida, um fenômeno mercadológico como Anitta serviria de corifeu para as diversas realidades sofridas da favela, apagadas por discursos burgueses que tem, e sempre tiveram, maior prestígio entre a classe alta brasileira, como Chico Buarque ou Tom Jobim. Diante do exposto até agora, julgue o(a) leitor(a) o que pensa a respeito.

A produção cultural e artística no Brasil ajoelha-se de fato diante dos mesmos senhores que a dominam, regulam-na e sobre ela exercem controle xamânico no mercado globalista estrangeiro, sobretudo e principalmente o norte-americano. Esse é o resultado de um projeto imperialista bastante amplo e antigo, cujas raízes estão fincadas no seio de nossa cultura e de nossa própria noção de realidade, sempre ridiculamente guiada pela bússola do consumo de massa dos países capitalistas mais industrialmente avançados.

O imperialismo, como pode-se facilmente constatar na literatura sobre o assunto, é bastante abrangente e não se limita tão somente à esfera política e econômica em seu campo de atuação dentro das civilizações subjugadas ao redor do globo. De maneira ainda mais brutal e dolorosa, por vezes covarde e cínica, impõe forçosamente valores e práticas culturais e inadvertidamente proíbe outras, rotulando-as conforme seus próprios princípios e cosmovisão interna ao sabor dos ventos da época. É muito fácil observar tal dominação numa situação colonial de imposição de determinada religião e proibição de determinados cultos, por exemplo. Menos óbvia é a faceta imperialista presente na hegemonia atlantista na indústria cultural, nas "séries", mídias sociais, cinema, moda etc que moldam e reconfiguram nossa cosmovisão e nossos padrões de comportamento e consumo - hegemonia cultural essa que foi tão combatida pelo infelizmente já falecido Ariano Suassuna.


Assim, realmente não estamos livres dessas mesmas correntes, que ainda fatalmente aprisionam, por exemplo, o universo musical e (tele)dramático, onde os padrões impostos são os mais baixos possíveis e se configuram como uma cópia barata das produções norte-americanas.





A atual música pop brasileira, aquela que é a mais divulgada e apoiada pela mídia, que aparece nas novelas e é infinitamente martelada em propagandas por todos os lados, é um filhote gigantesco do projeto de imperialismo cultural criado e mantido pelos Estados Unidos da América como parte de sua dominação histórica, política e social, impondo padrões fixos e temáticos que, em sua maioria, servem somente à alienação popular e ao emburrecimento geral das massas.

O poder crítico e autônomo de uma canção popular praticamente se perdeu e mesmo a qualidade lírica está quase completamente desaparecida de nosso atual cenário musical dominado pela indústria. A língua portuguesa, que vem sendo maltratada por tanto tempo, está praticamente irreconhecível e não é simplesmente um acaso pontual, é engenharia social contrarrevolucionária. É um projeto de encolhimento mental das famílias, que só conseguem consumir entretenimento que verse sobre os mesmos assuntos absolutamente irrelevantes de sempre. Isso é facilmente verificável nos canais televisivos e nas estações de rádio. Os temas são os mesmos, os padrões são os mesmos, os métodos são os mesmos. A fórmula, como vimos, é bastante simples. Uma mulher de corpo escultural cantando sobre seu comportamento sexual desgovernado ou um homem qualquer se vangloriando de suas conquistas amorosas ou do seu carro novo. É uma inominável degeneração e alienação o que se tornou a música popular brasileira.

Seria um ato de resistência revolucionária nesses tempos sombrios saudarmos nossos grandes compositores populares, aqueles que reuniram crítica social, beleza lírica e harmônica, sabiam manejar e tratar bem o idioma, jamais abandonaram suas raízes culturais ou tiveram vergonha, pelo contrário, se apropriaram delas e foram vanguardistas de movimentos que entraram para a história como efetivamente brasileiros e que não se encontra em NENHUM outro lugar do mundo! É mais pura resistência anti-globalista! Noel Rosa, Cartola, Garoto, Vinícius de Moraes, Pixinguinha, e tantos outros, são filhos autênticos das inúmeras equações sociais que formaram a cultura brasileira e eles mesmos se tornaram absolutamente únicos, com seus próprios estilos pessoais, com suas inconfundíveis assinaturas poéticas.

Clementina de Jesus é voz da favela!
Cartola é voz da favela!




Nós, da Dissidência Política do DF, observamos com profundo pesar a ascensão de manifestações artísticas tão pobres, acríticas e inexpressivas. Saudamos, esses sim, os verdadeiros artistas brasileiros que não se curvaram ao poder imperial dos acachapantes padrões mundiais e mantiveram firmes suas posturas em defesa da cultura nacional!

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